Imagine a cena: você, Analista de Marketing de uma empresa, decide se aproveitar dos avanços tecnológicos dos últimos tempos para criar uma nova logomarca e identidade visual para sua organização. Para isso recorre ao Microsoft Copilot (tecnologia de IA generativa), e após uma série de tentativas se dá por satisfeito com a arte gerada. Muito bem…e agora? Como registrar e garantir que a arte gerada pela máquina seja exclusivamente da sua empresa e não possa ser gerada ou reproduzida por nenhum concorrente? Eis a questão-chave aqui: qual a viabilidade jurídica de aplicação de direitos autorais à materiais produzidos pela IA? Um verdadeiro dilema: Inteligência Artificial versus Direitos Autorais.
Outro exemplo recente da celeuma foi a tentativa emblemática do pesquisador Stephen Thaler de registrar uma obra de arte (A Recent Entrance to Paradise) produzida com auxílio da IA. O pedido foi negado pelo órgão responsável pelos direitos autorais dos EUA, o que motivou um processo do pesquisador e uma nova derrota, na qual o juiz garantiu que a legislação vigente só “protege trabalhos de criação humana”.
O tema também foi levantado na recente greve de roteiristas de Hollywood que se veem ameaçados pelo crescente uso da IA no desenvolvimento dos textos. Segundo esse entendimento, os estúdios, portanto, não poderiam substituir roteiristas por Inteligência Artificial.
Um exemplo ainda mais palpável do problema envolve universidades e escolas pelo mundo: monografias e trabalhos escolares desenvolvidos por IA levantam ainda questões éticas e funcionais sobre aprendizado e qualidade de ensino.
Reconhecimento de Autoria
A questão fundamental nessa discussão sobre direitos autorais é reconhecer ou não a autoria de uma obra, seja ela literária, artística ou científica, desenvolvida por uma máquina.
E o problema é que dada a recente inovação, ainda não existe unanimidade jurídica sobre o ponto, entre especialistas, e principalmente entre nações. Por exemplo, na Inglaterra, obras produzidas por robôs já são protegidas por direitos autorais – a lei atribuindo autoria “à pessoa que faz os arranjos necessários para a criação da obra”, e não às máquinas.
Nos EUA, a legislação ainda só protege trabalhos de criação humana. Mas o Escritório de Direitos Autorais dos EUA (US Copyright Office) começa a reconhecer a possibilidade de registrar obras criadas por IA com “suficiente intervenção humana”.
E o Brasil?
Analisando puramente do ponto de vista legislativo, a Legislação Brasileira ainda não conta com arcabouço regulatório que permita a concessão de autoria de uma obra à IA. Segundo a Lei nº 9.610/1988, garante-se a proteção autoral a obras intelectuais “oriundas das criações do espírito” – em outras palavras, a inteligência artificial naturalmente carecendo de espírito, não é reconhecida.
No entanto, há de se considerar: a legislação atual data de 1988, época em que mal se falava em computadores, muito menos em Inteligência Artificial. O contexto hoje é outro, e as discussões sobre o tema têm se intensificado. Especialistas e juristas acreditam que seja uma questão de tempo para uma atualização regulatória sobre o tema.
Autoria Compartilhada?
Uma saída interessante que tem ganhado força nas discussões sobre direitos autorais seria atribuir uma espécie de autoria compartilhada entre: o criador da inteligência artificial (empresa responsável), aquele que a opera (usuário) e a quem insere as informações necessárias para gerar conteúdo (programador).
Essa solução é vista como momentânea ou transitória, até que países entrem em um consenso geral sobre o tema, visto sob uma perspectiva global.
Brasil – Legislação
No Brasil, um Projeto de Lei apresentado pelo Deputado Aureo Ribeiro (PL1473/23) pretende obrigar empresas que operam sistemas de IA a disponibilizar ferramentas que permitam aos autores restringir o uso de seus materiais pelos algoritmos.
Essa solução foi em parte criticada por justamente limitar os avanços e inovações da IA e principalmente, ter uma viabilidade técnica bem restrita, afinal não explica como se estabeleceriam tais controles, frente a uma natureza opaca e pouco transparente dessas ferramentas.
Acredita-se que novos projetos e discussões sobre o tema se acentuem à medida que a tecnologia avança e casos pontuais são levados à justiça. Uma questão de tempo!
Responsabilização
Outro fator bastante discutido acerca dos Direitos Autorais é a Responsabilização pelo conteúdo gerado via IA. Por exemplo: conteúdo textual enviesado ou com informações falsas e tendenciosas; e/ou produção gráfica de imagens criminosas, nocivas e difamatórias; ainda: conteúdo musical copiado/plagiado – a quem devemos recorrer nesses casos?
Quem gerou o conteúdo (usuário)? Ou quem projetou e viabilizou a criação (programadores e empresas)?
A responsabilização compartilhada é novamente uma saída mais rápida e indicada. O que não se pode deixar acontecer é que as grandes empresas de tecnologia “lavem as mãos” para o conteúdo gerado de suas plataformas; pelo contrário, elas especialmente contam com o know-how e as ferramentas técnicas para promover mecanismos de segurança e controle, e por isso mesmo, precisam ser responsabilizadas.
Não para por aí
O fato é que toda essa discussão sobre direitos autorais e IA segue em atraso colossal! Isso porque a tecnologia e seus avanços saem na frente, e o tempo de consolidação, regularização, legislação e aplicação das leis é infinitamente superior. É como se numa corrida, a IA viajasse de foguete, enquanto as leis acompanhassem em um barquinho sem motor.
E como os avanços não param, é bem possível que todas as probabilidades apresentadas aqui se tornem obsoletas amanhã, na próxima semana ou no próximo ano…
Note, por exemplo, que na Arábia Saudita, um robô recebeu o título de cidadão. Desenvolvido pela Hanston Robotics, a robô Sophia possui um sistema de Inteligência Artificial capaz de aprender a expressar emoções como os humanos.
E se legalmente ela é tida como cidadã, juridicamente é possível que ela poderá ser reconhecida como autora das obras que gerar, e mais do que isso, ser responsabilizada legalmente. Sim, um robô! De fato, ainda há muito a se debater e aprofundar sobre a questão.
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